O manicômio de Barbacena
Todo mundo escuta histórias de terror dignas de produções do cinema e não acredita. Aqui no Brasil há contos reais de maus tratos muito semelhantes aos que aconteceram nos eventos históricos mais trágicos da humanidade. Mesmo tendo sua fundação datada de 1903, foi somente na década de 80 que o Hospital Colônia de Barbacena ganhou destaque nacional. A história era de internos que sofriam maus tratos em elevados graus e chocou totalmente a opinião pública.
Para o médico psiquiatra Franco Basaglia, um renomado profissional do ramo e quem realizou visitas ao manicômio de Barbacena, o lugar não deixava nada a desejar para um campo de concentração nazista.Foram mais de 60 mil mortes e eram muitos pacientes sujos, feridos, com corpos que denunciavam de cara a fome que passavam. As cenas chocaram o Brasil e até hoje causam revolta quando o assunto volta à tona.
Holocausto Brasileiro, por Daniela Arbex
Não haveria título melhor para descrever as atrocidades ocorridas no Manicômio de Barbacena. A jornalista Daniela Arbex reuniou registros para mostrar alguns dos crimes que aconteceram de 1903 até 1980. Em um levantamento que a repórter da Tribuna de Minas realizou, constatou que 7 a cada 10 pessoas que se encontraram internados no hospital não eram doentes mentais.
Cerca de 70% dos “pacientes” não tinham problemas mentais
De acordo com o livro, estes “doentes” não passavam de homossexuais, pessoas que sofriam de epilepsia, prostitutas, viciados em álcool ou entorpecentes, entre outros. Nada que não passasse de gente que questionava em algum momento o status da sociedade. Por serem considerados incômodos para os políticos e até mesmo para a comunidade em geral, que sempre seguia padrões pré-determinados pela época, foram taxados de malucos.
Por aqui também viviam jovens que engravidavam antes do casamento e recebiam a reprovação de seus pais. Mulheres que foram violentadas e até mesmo crianças consideradas com algum tipo de distúrbio. Era um verdadeiro horror. O que de pior acontecia também vinha de fora. Mesmo sabendo de tudo o que se passava dentro da “Colônia”, como era chamado o Manicômio de Barbacena, a sociedade da cidade nunca questionou ou protestou contra.
“As atrocidades não eram questionadas naquela época porque no início do século 20 existia um movimento eugenista de limpeza social muito aceito em todo o Brasil”, comentou Daniela Arbex em uma entrevista à Revista Carta Capital, sobre o seu livro.
O comércio da morte
Os corpos eram vendidos por R$ 200,00
Este é um dos fatores que levavam à tantas mortes não ocasionais no Manicômio de Barbacena. Segundo os registros locais, o número de internos mortos “naturalmente” chegavam à 16 por dia. Logo após as investigações no local, foi comprovado que eles eram vendidos à faculdades de medicina.
Foram 1.853 registros encontrados nos documentos antigos do manicômio, com compra comprovada para 17 faculdades de Minas Gerais e estados mais próximos. Eles valiam aproximadamente 200 reais cada e isso favorecia a superlotação do local. Uma verdadeira atrocidade.
Falta de recursos gerava desespero
Beber água do esgoto era comum
A falta de recursos para manter o Manicômio de Barbacena em condições decentes também fazia com que pacientes buscassem saídas extremas. Assim como conta no seu livro, Daniela afirma que era comum ver internos comendo ratos, bebendo água de esgoto ou até mesmo a própria urina, não tinham quartos disponíveis, o que fazia com que eles dormissem ao relento, sobre a grama, entre outros fatos.
Estupros eram constantes dentro do Manicômio de Barbacena. Isso gerava um alto índice de mulheres grávidas. Ainda quando estavam nesta condição, algumas sofriam abusos e como saída usavam a própria fezes espalhadas pelo corpo para se protegerem. Muitas perderam seus filhos na hora do parto e outras tiveram as crianças enviadas para adoção.
Tratamento com choque também acontecia no hospital
Tratamento a choque sem anestesia era pura tortura
O terror aos pacientes ainda aumenta, quando aqueles que mais questionavam o sistema do internato eram submetidos à tratamentos com eletrochoque. Os registros de Luiz Alfredo, o primeiro jornalista à investigar o local, mostravam que a carga elétrica era tão intensa que sobrecarregavam e derrubavam a rede elétrica de Barbacena.
Pra piorar ainda mais a situação não era usado anestesia durante o tratamento, o que transformava a prática num verdadeiro exercício sádico de tortura.
Os culpados continuam sendo um mistério
Não há até hoje investigação que descobrisse os culpados por mais de 60 mil mortes no Manicômio de Barbacena. Além dos assassinatos conscientes, foi constatado que a maioria dos doentes do maior hospital mental do país não tinham problema mental algum.
Qualquer pessoa podia ser vítima
O fato não somente chocou a cidade inteira como o país, quando o repórter da Revista O Cruzeiro visitou o manicômio e registrou imagens impressionantes. Segundo ele, eram homens e mulheres praticamente nus, com uniformes sujos e a maioria com a cabeça raspada. O jornalista ainda afirmou que um dos doentes bebia água que jorrava de um esgoto, pois não tinha atendimento para tal necessidade.
Mesmo passando muitos anos, embora o Brasil tenha dado alguns passos no humanização do atendimento, Daniela Arbex afirma que muita coisa continua errada. Segundo a jornalista, os mesmos assassinatos são cometidos, mas com nomes diferentes no país. Ela compara também alguns momentos do Manicômio de Barbacena com a chacina da Rocinha e muitos outros momentos tristes do Brasil.
Depoimento de uma sobrevivente
Elzinha foi uma sobrevivente do inferno vivido em Barbacena. Atualmente ela mora em um núcleo terapêutico residencial com outras mulheres com diferentes níveis de dificuldade. Quando criança ela foi internada em uma instituição de menores e posteriormente, já adulta, transferida para Barbacena.
Ela conta que nunca ficou trancada ou foi torturada por choques, mas viu muitas pessoas passarem por isso. No tempo em que ficou internada nunca recebeu a visita dos parentes.
“Queria que minha família viesse aqui só para me ver, para ver que eu estou boa. Não é para eu ir embora com eles, não. Não sei porque me internaram criança. Eu não fiz nada com Deus, não fiz nada com eles.”