Empenhados em esclarecer que os maias não teriam previsto que o mundo acaba em 2012, pesquisadores mexicanos afirmam que o certo sobre esse grupo indígena é sua obsessão com o tempo e a observação dos astros.
A profecia catastrófica que associaria o fim do mundo ao mês de dezembro do próximo ano, no entanto, não é o único mito que cerca o povo maia.
De um desaparecimento misterioso a uma ligação com extraterrestres, existem diferentes teorias sobre os maias que povoam o imaginário popular.
"Os maias da época pré-hispânica foram um dos poucos grupos no continente que deixaram marcadas as histórias de reis, elementos míticos e suas conclusões a partir da observação dos astros e do tempo. Esse conhecimento resistiu com um sistema de escrita, números e contagem do tempo que está registrado em parte em monumentos e documentos históricos que dão uma visão única do seu pensamento. Isso não quer dizer que outros povos não tivessem o mesmo nível de sofisticação, mas não deixaram registros, e isso é o que torna os maias tão atrativos", explicou em entrevista ao Terra o antropólogo e arqueólogo Mario Aliphat, do Colegio de Postgraduados de Puebla.
Ligações com ETs?
A existência de uma cultura tão impressionante e diversa abriu espaço para variadas interpretações.
Uma das mais intrigantes é a que tenta associar os maias a origens extraterrestres. A ideia nunca foi comprovada, mas uma figura encontrada na tumba do rei Pakal, em Palenque, dá asas à imaginação de muita gente.
Ela mostra um homem de traços indígenas, mas considerado alto para a estatura média dos maias, e dentro do que poderia parecer uma nave espacial, com controles e alavancas.
"Para os que trabalham para descobrir a essência dessa cultura e civilização antiga é preocupante que existam pessoas que só pensem em conexões estrambóticas com extraterrestres. Há quem diga que os indígenas não poderiam ter construído essas grandes pirâmides e cidades, o que é negar uma verdade. Essas estruturas feitas por eles expressam o impressionante grau de desenvolvimento e complexidade social e cultural maia", afirmou Aliphat, que participou da 7ª Mesa Redonda de Palenque, evento que reúne 60 especialistas no tema e que terminou na sexta-feira em Chiapas, no sul mexicano.
Desaparecimento misterioso
Outra ideia frequentemente associada aos maias é de que esse povo teria desaparecido misteriosamente, bem antes da chegada dos conquistadores espanhóis.
De fato, especialistas coincidem em que houve abandono de cidades, provavelmente por desmatamento de terras.
O colapso teria acontecido há mais de mil anos, no período Clássico (300-900 d.C.). No entanto, os maias deixaram descendentes integrados à civilização mexicana que mantiveram suas línguas e tradições, em regiões como a Península de Yucatán, os estados de Tabasco e Chiapas, no México, Guatemala e parte de Honduras e El Salvador.
"Eles não desapareceram. Hoje existem quase 30 línguas maias ativas, de um povo com uma sabedoria impressionante em uma região incrível da Mesoamérica, com variedades de clima e vegetação. Esses descendentes maias são a sequência constante do seu próprio tempo", diz Aliphat.
O tempo e os maias
A obsessão com o tempo é uma marca do povo maia. Segundo Aliphat, os maias dividiam o tempo em ciclos que se repetiriam.
O fim de um ciclo marcava o início de outro, em um registro contínuo do tempo, como fazem os astrônomos, a partir da observação científica de estrelas, planetas e constelações, mas sem computadores e tecnologia.
"Com esse registro, eles já podiam predizer eclipses, por exemplo, e o comportamento dos astros em geral, que para eles eram divindades. Isso fez com que ao entender, registrar e aprofundar-se no pensamento do tempo passado, poderiam projetar o futuro. Havia augúrios bons, outros ruins. Os maias acreditavam que certas datas poderiam ser mais positivas que outras para determinado evento, e se preocupavam com isso, como as pessoas, hoje, leem o horóscopo nos jornais e revistas", detalha o especialista.
A obsessão com as profecias e o tempo se manteve mesmo após a chegada dos conquistadores espanhóis.
Em um documento composto por textos sagrados e proféticos chamado Chilam Balam, os sacerdotes maias lutaram para registrar sua história e manter seus costumes, embora adaptados a um calendário que passaria a ser dominante.
"O Chilam Balam encerra diferentes tipos de profecias com uma estrutura cíclica. Então, se em determinado período passado houve fome, doenças ou guerra, os maias acreditavam que no mesmo período, mas de um novo ciclo, aconteceria algo similar. Tudo, claro, relacionado à vida maia. O mundo a que se referem é seu mundo, não o mundo de outros povos, que para eles não existiam", explicou ao Terra Laura Caso Barrera, historiadora do Colégio de Pós graduados de Puebla.
Os maias lidavam com diferentes concepções de tempo. Para eles, havia um calendário de 365 dias, que se entronca com outro, que marca as datas de rituais, de 265 dias.
Há também outros tipos de contagem do tempo, como os katunes, já do período Pós-clássico (900-1200 d.C.), uma forma de contar e entender o tempo por períodos de 20 anos, e os baktunes, períodos de 400 anos, em cálculos complicadíssimos.
O calendário ritual também se associava a profecias diárias que marcavam a vida do povo maia. Por meio dele, se determinavam os dias favoráveis para começar uma colheita, tratar uma doença ou escolher o nome de um recém-nascido.
"Os maias da época colonial retomaram os calendários cristãos através de livros europeus para entender o funcionamento dos calendários juliano e gregoriano e então fazer correlações com os calendários indígenas. Foi algo astuto, porque eles copiavam as datas cristãs dos calendários europeus e associavam essas datas às de rituais indígenas", afirmou ao Terra a historiadora.
"Para fazer isso, foi necessária uma série de cálculos impressionantes. E os sacerdotes católicos, que não conheciam o funcionamento do calendário indígena, não desconfiavam que, assim, os maias mantinham seus rituais", completou.