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domingo, 8 de janeiro de 2012

A redenção do mago e ocultista Aleister Crowley

Maldito em vida, filósofo tem seu legado discutido em filme sobre Raul Seixas.

Montanhista, enxadrista, poeta, crítico social, mago ocultista e dedicado pesquisador da "magia sexual" e do efeito místico das drogas.
Essas são algumas das qualificações do britânico Aleister Crowley (1875-1947). Rotulado pela imprensa sensacionalista de sua época como "o homem mais perverso do mundo", Crowley resistiu à morte e ao tempo e chega a 2012 intacto em sua aura de mistério e controvérsia.
O mago é um dos assuntos de maior destaque no filme "O início, o fim e o meio", documentário de Walter Carvalho sobre Raul Seixas que estreia em março.
Junto ao parceiro Paulo Coelho, Raul fundou a sua famosa Sociedade Alternativa baseado nas ideias de Crowley (em especial no "Faze o que tu queres, pois é tudo da lei", ensinamento tirado do "Livro da Lei").

O filme, mais uma "biografia definitiva" (que saiu em setembro no exterior), um punhado de livros sobre sua "magia sexual" e seu tarô (lançados pela Madras, editora brasileira de obras maçônicas e holísticas) e até uma campanha fake à presidência dos EUA cuidam de reacender a chama de Crowley — e, também, de enfim redimi-lo.

Jogado ao ostracismo no fim da vida, Aleister Crowley voltou pela porta dos fundos da cultura pop.

Ao lado de Albert Einstein e Marilyn Monroe, ele é uma das celebridades cujas fotos figuram na capa de "Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band", clássico disco dos Beatles de 1967.

Pouco mais tarde, Jimmy Page, guitarrista do Led Zeppelin, tornou-se um dos maiores propagandistas de Crowley — para ele, um libertário e "gênio incompreendido".

O filme "O início, o fim e o meio" lembra o tempo em que as ideias do inglês chegaram a um jovem brasileiro interessado em magia e ocultismo: Paulo Coelho, que apresentou Crowley a seu parceiro, o roqueiro Raul Seixas.

Sob sua inspiração, os dois compuseram a canção "Sociedade Alternativa" e planejaram torná-la uma realidade.

Paulo, que chegou a se filiar à Ordo Templi Orientis (O.T.O., ordem mística da qual o mago britânico foi um dos líderes), largou tudo depois de um suposto encontro com o Demônio e de sua subsequente prisão pela polícia da ditadura militar — episódio contado com detalhes na biografia "O mago", do jornalista Fernando Morais.

"Esse foi um período negro na minha vida, a magia fora de qualquer ética, todos pagaram o preço", conta Paulo Coelho no filme, que também deu voz ao mestre do escritor na O.T.O., Euclydes Lacerda (falecido no ano passado, de câncer).

Ele diz no depoimento que o escritor (parceiro de Raul no "Rock do diabo") pode até ter renegado a Ordem, mas continua a ela filiado, já que o desligamento teria que ser feito por escrito.

O escritor inglês Tobias Churton, autor de "Aleister Crowley — The biography" (a "biografia definitiva") conta que uma das ideias mais erradas acerca do seu biografado é a de que ele seria um satanista, adepto da magia negra.

— Crowley não adorava aquilo em que não acreditava. E ele não acreditava na figura que a Igreja define como "Satã". Ele dizia que Diabo é o nome dado a qualquer deus de que o crente desgoste ou tenha medo. Ele se interessava bastante pelo processo histórico segundo o qual as autoridades religiosas puseram a realização sexual na esfera do diabo — e, com o sexo, também as mulheres. As crenças de Crowley eram positivas, libertadoras. E espirituais — diz.

Músico e escritor, tradutor e autor de "Aleister Crowley, a biografia de um mago" (lançado no ano passado pela Madras), o brasileiro Johann Heyss lembra que a imagem de satanista permanece, em muito por causa da cultura pop — há que se lembrar da canção "Mr. Crowley", um dos grandes sucessos de Ozzy Osbourne, em que ele canta: "Você enganou a todos com mágica/ Você esperou o chamado de Satã."

— Essa é uma canção bastante crítica. Mas eu também não sei se, nas condições em que Ozzy estava quando a fez (início dos anos 1980, auge de seu vício em drogas e álcool), ele tinha como criticar alguém — diz Johann, que lembra a ligação de Crowley com alguns dos maiores intelectuais do século, como o poeta português Fernando Pessoa, admirador com quem ele chegou a se encontrar em Cascais, nos anos 1930.

Aleister Crowley que emerge da biografia de Tobias Churton é uma figura complexa. Um britânico de família aristocrática que correu o mundo atrás de conhecimento espiritual e que se rebelou contra o Cristianismo.

Um amante insaciável, que buscou a união entre sexo e misticismo. Um viciado que passou maus bocados com a heroína, mas que tinha um irresistível carisma — um talento para o relacionamento social que ele usou, segundo revela o livro, como espião nas duas grandes guerras.

— Aleister Crowley merece atenção em parte porque estava muito à frente do seu tempo (e do nosso também) e porque tem muito a dizer sobre humanidade. Ele pode ser apreciado como escritor, artista e ensaísta, como guia espiritual e como aventureiro. Ele reviveu algo cujas raízes são muito antigas e deu uma forma com a qual podemos trabalhar — diz Tobias.

Fartura editorial


Uma prova dessa amplitude do legado de Crowley é dada pela Madras Editora, de São Paulo ("Somos os únicos que editam as suas obras no Brasil", informa o editor Wagner Veneziani Costa).

Por ela, saíram, nos últimos dois anos, desde a a biografia escrita por Johann Heyss até livros como "Tarô de Crowley", "Aleister Crowley e o tabuleiro Ouija", "A Goetia ilustrada de Aleister Crowley — Evocação sexual" e "Os livros de Thelema".

Estudante de Física, o americano Joseph Thiebes foi além e lançou a "campanha" de Aleister Crowley para a presidência dos Estados Unidos em 2012 (http://ac2012.com/) com o lema "fazer o que tu queres será o todo da Lei".

— Essa é a mensagem que eu espero que um dia todos os políticos conheçam. E outro dos objetivos dessa campanha é dissipar muitas das calúnias e dos mitos sobre ele perpetuados pela imprensa sensacionalista — conta Joseph, que publicou no site um texto sobre a Sociedade Alternativa de Raul Seixas e Paulo Coelho.

— É uma pena o que aconteceu com o Paulo (que abandonou as ideias de Crowley), mas é compreensível que, depois de ter sido preso e punido por suas crenças, ele tenha mudado seu ponto de vista. Gosto dos seus livros e desejo o melhor para ele — diz Joseph.

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