Os feiticeiros da Idade Média acreditavam que as mandrágoras eram um tipo de meia-criatura entre o ser humano e o vegetal. Suas folhas reluziam à noite(por isso também eram conhecidas como velas do demônio) com um brilho estranho. Seus frutos e folhas exalavam um odor narcótico e sem igual. Sua raiz possuía a forma de uma pequena figura humana, com uma vida própria e esquisita, pronta para tornar-se o auxiliar de um mortal que tivesse coragem suficiente de tomar posse dela.
Porém tomar posse de uma mandrágora era uma ousadia repleta de perigos, porque ao ser arrancada da terra, ela soltava um grito tão assustador que aquele que o ouvia ficava insano ou caia morto no mesmo lugar.
Assim, o feiticeiro que desejava possuir uma mandrágora tinha que seguir um ritual no mínimo curioso:
Ao encontrar a planta, que geralmente crescia aos pés de um local sobre o qual estavam os restos mortais de um criminoso condenado a forca(debaixo de uma árvore ou cadafalso por ex.), o feiticeiro teria que ir buscá-la ao pôr-do-sol.
Sob os raios da luz do sol se pondo, ele tinha que desenhar três círculos ao redor da planta, tampava seus ouvidos com cera e se colocava contra o vento, para não sentir o odor narcótico da mandrágora.
Ele levava consigo um cachorro faminto e algum tipo de alimento, com o qual o cachorro poderia ser seduzido. Com uma barra de marfim ele soltava a terra ao redor da planta e cuidadosamente amarrava o cachorro a mesma, se afastava e mostrava o alimento para o cachorro, que em seguida corria ao encontro da refeição e assim puxava a planta da terra. Ao passo em que a planta era arrancada do solo o feiticeiro soprava uma trombeta o mais alto possível, para abafar o grito da mandrágora. O Cachorro, acreditavam, morria ali mesmo.
Assim, tendo conseguido arrancar a planta sinistra da terra, o feiticeiro envolvia-a em um pedaço de linho branco e poderia assim apressar-se pela escuridão que se formava tendo em mãos seu merecido prêmio.
Depois de colhida, separavam-se a raiz das folhas e de acordo com o propósito, eram manipuladas e ou consagradas em diferentes rituais para que determinado espírito possuísse a raiz assumindo assim o papel de auxiliar magístico de seu dono. Os cuidados com as mandrágoras variavam de acordo com o propósito ao qual elas serviriam, as mais cabulosas necessitavam de alimentar-se com leite, mel e sangue(do seu próprio dono), algumas eram vestidas com pequenas túnicas vermelhas com símbolos mágicos desenhados e, basicamente todas deveriam ser guardadas numa caixa envolta em seda e banhada quatro vezes ao ano com vinho. O liquido que sobrava após o banho possuía virtudes mágicas e poderia ser utilizados em feitiços.
Tantos mistérios rondam esta planta que mesmo nos dias atuais muitos a temem, muitos a desejam e poucos atrevem-se a arrancá-la do solo. São tantas lendas que a envolvem que as pessoas até duvidam de sua real existência. Mas não tenham dúvidas, esta planta escrota do capeta de fato existe.
A verdadeira mandrágora, Atropa Mandrágora Officinarum, pertence a ordem de plantas Solanaceae, uma ordem muito conhecida entre as bruxas, feiticeiros, magos , xamãs, alquimistas e velhos hippies malucos. Desta mesma ordem também estão o Meimendro, a Dulcamara, o Estramônio e a Trombeteira (Aquela mesma da música do Ventania, da qual se faz um chá muito louco), todas com uma fama sinistra.
Por mais fantásticas que algumas histórias possam parecer, algumas destas antigas crenças sobre as mandrágoras são baseadas em fatos. A planta possui realmente uma raiz grande e gorda, que traz uma grosseira semelhança com a forma humana. Ela sem dúvida possui um perfume estranho, que alguns apreciam e outros detestam, e certamente ela possui propriedades narcóticas, alucinógenas, afrodisíacas e analgésicas. Na verdade a mandrágora é provavelmente o anestésico mais antigo utilizado pelo homem.
Nos tempos mais remotos, a raiz era utilizada para colocar os pacientes prestes a passar por uma cirurgia em estado de sono profundo, durante o qual as operações poderiam ser realizadas. A raiz era infundida ou fervida e um pouco era dado para o paciente beber, entretanto, tomava-se certos cuidados quanto à dose, porque quando usada em excesso poderia causar um sono do qual não se acordava mais. Outras vezes era usada apenas umedecendo um tecido para ser ministrada externamente.
A crença de que a mandrágora brilha a noite tem uma base de fato. Por alguma razão suas folhas atraem os vaga-lumes, e são essas pequenas criaturas, cuja luminescência esverdeada é muito impressionante, que fazem a planta brilhar na escuridão. Qualquer desavisado certamente poderia sentir-se assustado com a aparência da planta no escuro e achar que as antigas lendas sobre seus poderes diabólicos eram verdadeiras.
Até mesmo o grito temeroso pode ter ao menos um pouco de verdade de onde a lenda foi ganhando mais força. Essas plantas com raízes grandes e encorpadas geralmente crescem em lugares úmidos e quando são arrancadas da terra, soltam um ruído gritante (Claro que não tão alto quanto diziam). As lendas de pessoas que endoideciam têm mais a ver com o odor narcótico exalado pelas folhas na hora de arrancá-las do que com o ruído em si. Imaginem o sujeito já doidão com o cheiro da planta arrancando uma raiz que lembra um ser humano e que ainda grita. Quem consegue imaginar a cena também pode imaginar o que este mesmo sujeito poderia sair falando dessa situação.E claro, todos sabemos que "quem conta um conto aumenta um ponto".
Naturalmente todos os detalhes horrendos da lenda da mandrágora foram mantidos vivos por aqueles que vendiam as mandrágoras. As pessoas pagavam quantias exorbitantes por uma mandrágora em bom estado e com forma humana, e as guardavam como importantes talismãs. Muitos picaretas esculpiam em raízes formas humanas e vendiam como mandrágoras originais. Um antigo livro intitulado Thousand Notable, descreve passo a passo como fazer sua mandrágora falsa.
Mas nem todos preparavam as raízes apenas para vender e obter lucros, algumas tradições antigas de magos, alquimistas, bruxas e xamãs preparavam suas mandrágoras cuidadosamente e acreditavam de fato que elas poderiam abrigar um determinado espírito ou ter algum poder magístico, que os auxiliariam em suas práticas e rituais.Eram colhidas geralmente em noites de lua cheia sob a realização de alguma cerimônia ou ritual. Algumas tradições secavam lentamente a raiz em forma de homem em fogueiras ou em areia quente, o Balneum Arenae dos alquimistas.(Dai uma das origens da lenda do Homúnculo)
As mandrágoras secas e já consagradas (ou supostamente possuídas por algum espírito) eram passadas como relíquias ou amuletos aos membros de diferentes gerações de um determinado grupo ou família, sempre de forma secreta, principalmente na idade média, pois, adivinhem só o que acontecia quando os inquisidores achavam um bonequinho bizarro desses em sua casa?
A planta é citada na Bíblia em Gênesis na história de Lea 30:14 e também em Cantares de Salomão 7:13, só histórias estranhas. Também citada por Shakespeare em Romeu e Julieta. Acredita-se que o remédio que julieta usou para fingir estar morta tenha sido extraído de uma mandrágora. Muitos escritores flertaram com as lendas e as propriedades secretas das mandrágoras. É o caso por ex. de Platão em A República, Madame Blavatsk em A Doutrina Secreta, Maquiavel em A Mandrágora e Hans Heinz Ewers em Alraune( que significa mandrágora em alemão).
Hoje em dia ela ainda é usada como amuletos de sorte, prosperidade e proteção, é usada com fins magísticos e afrodisíacos, usadas também em doses seguras na fabricação de remédios homeopáticos e também usadas por algumas pessoas como droga recreativa. Podemos ver a caricatura desses homenzinhos estranhos em diversos filmes,livros jogos e desenhos. Como no filme de Guillermo Del Toro, O Labirinto de Fauno, no jogo de MMORPG Ragnarok e até mesmo nas histórias infantis de Harry Potter.
Existem coisas que o tempo não consegue apagar da memória das civilizações. São as lendas, os mitos, os símbolos, as tradições e tantas outras coisas significativas que compõe nosso Inconsciente Coletivo. E acreditem, isso tem um bom motivo.
segunda-feira, 11 de julho de 2011
Sobre as Mandrágoras.
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